As artes marciais têm sido praticadas por milênios e são muito mais do que apenas técnicas de autodefesa. Elas representam uma filosofia de vida que envolve o desenvolvimento do corpo, mente e espírito. Neste artigo, exploraremos a relação entre as artes marciais e a saúde mental, destacando os benefícios emocionais e psicológicos dessa prática milenar.
Quais os benefícios das artes marciais para a saúde mental?
Controle Emocional, Auto Estima e Combate ao Estresse são alguns exemplos dos benefícios gerados pela prática das artes marciais e a regulação bioquímica que acontece em consequência disso.
Praticar esportes regularmente traz inúmeros benefícios para a saúde mental, e as artes marciais não são exceção. Ao combinar o exercício físico com o foco mental exigido durante a prática, as artes marciais proporcionam um ambiente propício para o desenvolvimento da saúde mental de forma integrada, permitindo que os praticantes cultivem uma mente equilibrada e resiliente.
Controle Emocional
Em uma escola/academia bem preparada, com professores capacitados, a prática de artes marciais fornece um ambiente emocionalmente seguro para aprender a controlar as emoções e manter a calma, mesmo em situações desafiadoras. Durante o treinamento, os praticantes aprendem a canalizar sua energia de maneira positiva, lidar com a raiva e frustração de forma construtiva e desenvolver o autocontrole emocional.
Para os que assim como eu passaram por diferentes estágios dentro das artes marciais, como aluno, atleta, professor, técnico e árbitro sabe que as situações em que observamos esse tipo contexto são inúmeras.
Muitas vezes arbitrando campeonatos presencio técnicos acolhendo ou repreendendo atletas que não sabem lidar com a derrota no campeonato. Além de, situações em que atletas são penalizados por “comemorações” desrespeitosas após uma vitória.
São inúmeros alunos que precisam aprender a controlar as emoções de frustração por não conseguirem acompanhar o ritmo de um colega de outra idade, ou de outro gênero ou ainda de outro perfil corporal (alto, baixo, gordo, magro, etc).
O controle emocional também é colocado à prova em situações como quando reprovado em um exame de graduação, quando você precisa ensinar algo para alguém com dificuldade de aprendizagem, quando a simulação de defesa pessoal é muito realista levantando diversos pontos de autocrítica sobre sua real capacidade de se defender.
Todas essas habilidades são transferíveis para a vida cotidiana, ajudando as pessoas a enfrentar melhor o dia a dia, a lidar com conflitos e a tomar decisões mais equilibradas.
Parte de ser um bom atleta é conseguir acalmar a mente em uma situação de conflito e pensar na melhor estratégia para continuar, para conquistar uma vitória. No meio de uma luta é necessário além da memória muscular dos movimentos necessários, uma boa análise do oponente e da sua maneira de lutar. Conseguir conquistar quietude mental para raciocinar em meio a uma luta é uma das maiores conquistas do treinamento marcial.
Imagina essa habilidade aplicada à vida cotidiana?
Ser capaz de manter a calma em situações de conflito, e às vezes de estresse elevado, é uma habilidade preciosa para o desenvolvimento pessoal, e pode ser um grande diferencial de carreira.
Auto Estima
Outro papel fundamental das artes marciais é no desenvolvimento da confiança e autoestima. À medida que os praticantes aprimoram suas habilidades e superam desafios, eles adquirem uma sensação de conquista e orgulho pessoal. Além disso, a prática regular de artes marciais promove a consciência corporal, a postura ereta e a expressão confiante, que refletem-se na vida diária.
Veja por exemplo as trocas de faixa, que quando feito da forma correta permite ao praticante vivenciar não só uma conquista mais um marco que atesta a sua evolução. O Budô das Artes Marciais, que é exatamente a busca inalcançável da perfeição, é uma forma da pessoa conseguir de fato perceber a sua evolução pessoal como fruto de seu esforço e de mais ninguém. Cada novo golpe aprendido, cada nova sequência, cada nova graduação é um feedback contínuo para sua cabeça de que você é capaz.
A superação de desafios e o aprimoramento de habilidades nas artes marciais estão ligados a um aumento na produção de dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e recompensa.
Essa confiança renovada pode ter um impacto positivo na saúde mental, ajudando a superar a timidez, o medo, a insegurança e a desenvolver relacionamentos mais saudáveis.
Um outro aspecto da autoestima está em relação a valorização do seu próprio corpo, não que toda arte marcial necessariamente permite moldar a idealização de um corpo atlético, por que não o fará necessariamente. Mas toda arte marcial te permitirá descobrir inúmeras coisas que seu corpo é capaz de fazer. Pular, esquivar, socar, chutar, derrubar, agarrar e rolar. Em um ambiente seguro para desenvolver essas habilidade há um caminho propício para uma auto aceitação e valorização do próprio corpo atuando diretamente na auto estima
Sensação de Segurança
O aprendizado de técnicas de autodefesa é uma parte essencial das artes marciais. Saber como se defender em diferentes cenários altera a auto percepção e o comportamento de forma que é muito comum as artes marciais serem utilizadas como ferramenta de empoderamento para crianças e adolescentes vítimas de bullying e de empoderamento feminino.
Um dado da ONU de 2019 estima que ao menos 1 em cada 3 mulheres e meninas serão vítimas de violência física ou sexual ao longo da vida. E embora a arte marcial não seja, nem de longe, a solução para essa atrocidade estrutural em nossa sociedade ela pode sim ser uma das ferramentas para dar o mínimo de condição física, técnica e emocional para que algumas mulheres possam se defender.
Falar de segurança é um assunto sensível e com risco de culpabilizar as vítimas, mas o objetivo deste tópico é reforçar que a sensação de segurança causada pela percepção da possibilidade de auto-defesa é benéfica para a saúde mental.
Como disse Jocko Willink “Você não pode realmente se chamar de pacífico a menos que seja capaz de grande violência, se você não é capaz de violência, você não é pacífico, você é inofensivo.”
A Arte Marcial dá a possibilidade de desenvolver essa paz, esse pacifismo, esse sentimento de que somos capazes de grandes violências se necessário para nos defender e defender quem amamos, mas não o fazemos em qualquer outra situação pelo respeito ao próximo e a vida.
Combate ao Estresse
Com a rotina agitada que muitas pessoas enfrentam, o estresse e a ansiedade tornaram-se problemas de saúde mental cada vez mais comuns. No entanto, as artes marciais oferecem uma maneira eficaz de lidar com essas questões. Durante a prática, a mente fica focada no momento presente, ajudando a reduzir os pensamentos preocupantes e a ansiedade antecipatória.
A capacidade que a arte marcial tem para o combate ao stress é tão grande que é retratada recorrentemente em filmes e séries de TV. Quem nunca viu aquele personagem que ao sofrer uma perda, um término ou qualquer outro fator agravante foi desestressar em um saco de pancadas?
Há um aspecto bioquímico que relaciona as Artes Marciais com o controle de estresse. Em situações de combate ativamos a resposta de “lutar ou fugir” do sistema nervoso autônomo, que está associado à liberação de cortisol, conhecido como o hormônio do estresse. A prática regular de artes marciais pode modular essa resposta, ajudando na gestão do estresse e na redução dos níveis de cortisol. Além disso, a liberação de endorfinas durante o exercício físico ajuda a elevar o humor e proporcionar uma sensação de bem-estar.
Disciplina e Foco Mental
As artes marciais são baseadas em princípios de disciplina e foco mental. Os praticantes aprendem a estabelecer metas, seguir rotinas de treinamento e perseverar diante dos desafios. Você já ouviu a frase “O faixa preta é um faixa branca que não desistiu”?
Essa disciplina desenvolve a capacidade de concentração e o foco mental, habilidades essenciais para o sucesso em qualquer área da vida. Além disso, a disciplina aprendida nas artes marciais ajuda a estabelecer uma rotina saudável, promovendo hábitos positivos de sono, alimentação e exercícios, que são fundamentais para uma boa saúde mental.
Resiliência
As artes marciais exigem esforço contínuo e superação de limitações pessoais. Ao enfrentar desafios físicos e mentais, os praticantes aprendem a desenvolver resiliência e a superar obstáculos. Essa mentalidade resiliente é transferida para a vida cotidiana, ajudando a enfrentar adversidades, aprender com os fracassos e continuar avançando. Além disso, a superação pessoal nas artes marciais fortalece a autoconfiança e inspira um senso de determinação.
Pertencimento
As academias de artes marciais muitas vezes se tornam comunidades solidárias, onde pode se encontrar apoio mútuo e camaradagem. As relações interpessoais desempenham um papel crucial na saúde mental de uma pessoa. A qualidade e a natureza dos relacionamentos que alguém mantém influenciam diretamente seu bem-estar psicológico.
Relações saudáveis oferecem um suporte emocional essencial. Ter alguém com quem compartilhar sentimentos, pensamentos e experiências pode aliviar o estresse e proporcionar conforto durante momentos difíceis. Sentir-se apoiado contribui para a resiliência emocional.
A sensação de pertencimento em comunidades, de artes marciais por exemplo, está ligada à liberação de oxitocina, o “hormônio do vínculo social”. Relações saudáveis e solidariedade promovem a liberação desse hormônio, contribuindo para o estabelecimento de laços interpessoais positivos.
Em minha trajetória, por exemplo, foi muito importante celebrar minhas conquistas ao lado das pessoas que dividiram a trincheira comigo, que me ajudaram a treinar, a estudar e que apreciam as artes marciais como eu aprecio.
Além disso, relacionar-se com outras pessoas ajuda a reduzir o isolamento social, um fator de risco para problemas de saúde mental. Isso ficou muito claro no período de pandemia.A sensação de pertencimento e conexão social é fundamental para o equilíbrio emocional e o sentido de propósito.
Em resumo, as artes marciais não são apenas uma prática física, mas uma filosofia de vida que promove benefícios substanciais para a saúde mental. Ao integrar exercícios físicos com foco mental, as artes marciais oferecem um ambiente propício para o desenvolvimento de uma mente equilibrada e resiliente.
Desde o controle emocional até a sensação de pertencimento em comunidades solidárias, essas práticas milenares desencadeiam respostas bioquímicas e neurológicas que contribuem para o bem-estar geral.
A disciplina, a autoestima, a sensação de segurança e a resiliência cultivadas nas artes marciais têm impactos profundos na saúde mental, fornecendo ferramentas valiosas para lidar com os desafios do dia a dia. Além disso, durante períodos de estresse, as artes marciais atuam como um eficaz mecanismo de enfrentamento, ajudando a reduzir a ansiedade e proporcionando uma sensação de bem-estar. Em um mundo cada vez mais digital, as relações interpessoais e o pertencimento a comunidades, como as das artes marciais, desempenham um papel crucial na promoção da saúde mental e na construção de um sentido de propósito.
Cultivar esses aspectos é vital, especialmente em tempos desafiadores, como evidenciado durante a pandemia, reforçando a importância da conexão social e do apoio mútuo para o equilíbrio emocional.
