Qual a origem do estilo Shotokan ?
O estilo Shotokan de Karate foi fundado por Gichin Funakoshi na primeira metade do século XX, em Tóquio.
Se você já teve a oportunidade de mergulhar na história do karate através do artigo “História do Karate“, provavelmente compreende a importância de Gichin Funakoshi para o mundo do karate. O que talvez você não saiba é que Funakoshi é o fundador do estilo shotokan, de forma que a história do estilo shotokan é inseparável da jornada fascinante de seu fundador.
Funakoshi nasceu prematuro e frágil, com uma saúde precária. Em suas próprias palavras, no livro “Karate Meu Modo de Vida”, Funakoshi descreveu sua infância frágil e doente como um impulso para explorar o karate como um caminho para superar esses obstáculos.
De fato, seu destino estava traçado para se tornar uma figura icônica no mundo das artes marciais. Durante seus anos de escola, ele estabeleceu uma amizade significativa com o filho de Anko Azato, um grande mestre do estilo Shurite de Karate. Essa conexão não apenas expandiu seus horizontes no mundo das artes marciais, mas também marcou o início de uma jornada transformadora, que o levaria a conhecer tantos outros mestres.
Sob a orientação de Azato, Funakoshi passou a praticar também com Anko Itosu, outro mestre influente, que desempenhou um papel fundamental na introdução do karate nas escolas de Okinawa e na reformulação dos antigos katas para torná-los acessíveis aos jovens. Foi através desses mestres e de outros, onde aprendeu Shorei-ryu e o estilo Shorin-ryu que Funakoshi construiu as bases de suas habilidades de Karate.
Muitos anos se passaram até que, como presidente da Shobukai, uma organização de artes marciais, Funakoshi liderou um grupo de praticantes em uma missão para difundir o karate por Okinawa, realizando apresentações públicas que atraíram a atenção nacional.
Sua reputação crescente eventualmente o levou ao Japão continental, onde uma demonstração de karate no Budokuden, o centro oficial das artes marciais japonesas, o colocou sob os holofotes. Sua arte única, enraizada nas tradições de Okinawa, mas enriquecida por sua própria filosofia, impressionou o príncipe herdeiro japonês e atraiu o interesse do Ministério da Educação.
Apesar de inicialmente planejar retornar a Okinawa após a demonstração, Funakoshi foi convencido a permanecer no Japão por figuras proeminentes como Jigoro Kano, o fundador do judô. Esta decisão acabou por moldar o futuro do karate, dando início a uma nova era de desenvolvimento e difusão da arte.
No entanto, a transição do karatê para o Japão não foi sem desafios. Funakoshi teve que adaptar a arte para se adequar ao contexto cultural japonês e enfrentar restrições mais rígidas do que em Okinawa.
Leia o artigo “Restauração Meiji e o Impacto nas Artes Marciais” para entender com mais detalhes o contexto político-cultural desse período que foi tão impactante nas transformações do que conhecemos hoje como Karate. Uma das mudanças significativas foi a tradução dos nomes dos katas de origem chinesa para o japonês, um exemplo disso foi a transformação dos Pinan katas em Heian katas. Essas adaptações foram essenciais para estabelecer o karate no Japão e pavimentar o caminho para o que viria a ser conhecido como Estilo Shotokan.
Funakoshi, inicialmente ensinou Karate em diversos lugares como universidades, clubes, e outras associações. Sua primeira leva de faixas pretas, ou shodans (1º Dan), aconteceu em 1924 quando não havia ainda estabelecido seu próprio dojo. Foram eles Hironori Ōtsuka (fundador do estilo Wado-ryu de Karate), Akiba, Shimizu, Hirose, Makoto Gima, Tokuda e Shinyō Kasuya.
Entre 1926 e 1930, Funakoshi desenvolveu ainda mais o karate e consolidou sua posição no Japão. As universidades foram os principais locais de estudo do karate, e foram influenciadas por pesquisas sobre fisiologia e calistenia.
Durante esse período, Funakoshi e seu filho Yoshitaka adicionaram métodos de kumite (luta) e alguns dos conceitos tradicionais de budo (caminho marcial) ao sistema. Sob a liderança de Yoshitaka, o desenvolvimento do karate shotokan realmente acelerou. As posturas foram estudadas para fortalecimento ao serem feitas mais baixas para aplicar estresse dinâmico controlado aos músculos das pernas, e o efeito da rotação do quadril nos socos e chutes também foi examinado.
Esse conhecimento foi incorporado ao kihon (fundamentos) do estilo Shotokan. Após 1936, as kata (sequências de movimentos) foram revisadas para se conformar a um novo estilo.
Qual o significado da palavra Shotokan?
“Shotokan” pode ser traduzido como “salão das ondas de pinheiro”. Surpreendentemente, Funakoshi nunca atribuiu um nome específico à sua arte, preferindo simplesmente chamá-la de karatê. No entanto, a história por trás do nome Shotokan revela uma conexão profunda com a paixão de Funakoshi pela poesia e sua busca por inspiração nas paisagens pitorescas de Okinawa.
Funakoshi era conhecido não apenas por sua maestria no karatê, mas também por seu amor pela contemplação e meditação. Ele frequentemente buscava refúgio no Monte Tarao, imerso na tranquilidade da natureza.
Após longas e exaustivas sessões de treinamento, ele encontrava conforto na estreita trilha cercada por pinheiros, onde podia se sentar à noite sob o brilho da lua, ouvindo o sussurro suave da brisa entre as árvores. Essa experiência sensorial evocava em Funakoshi uma profunda inspiração poética, levando-o a adotar o pseudônimo de Shoto, que em japonês significa “ondas de pinheiro”.
A palavra “kan” em japonês tem o significado de “casa” ou “salão”. Assim, quando os alunos de Funakoshi expressavam o desejo de aprender karatê, eles se referiam a frequentar o “Shotokan”, ou seja, o “salão das ondas de pinheiro”.
Com o tempo, esse nome ganhou popularidade entre os praticantes de karatê, e a arte de Funakoshi ficou conhecida como karatê Shotokan, uma homenagem à sua profunda conexão com a natureza e à inspiração que ele encontrava nas paisagens de Okinawa.
A escolha do nome Shotokan não apenas reflete a personalidade poética e contemplativa de Funakoshi, mas também ressoa com os princípios fundamentais do karatê. Assim como as ondas que flutuam suavemente entre os pinheiros, o karatê é uma arte fluida, que exige equilíbrio, harmonia e serenidade.
Quando surgiu o estilo Shotokan?
Em 4 de novembro de 1936, Funakoshi inaugurou seu primeiro dojo em na área de Mejiro, uma região de Tóquio, capital do Japão. Como explicado anteriormente Shotokan veio de como os alunos chamavam o lugar onde treinavam com o mestre Funakoshi, de forma que muitos consideram essa data como o marco do início formal do estilo Shotokan de Karate, já que é a materialização do Shoto Kan.
Quem foi Yoshitaka Funakoshi?
Yoshitaka Funakoshi, também conhecido como Gigo Funakoshi, foi um dos filhos de Gichin Funakoshi. Nascido em 1906, Gigo cresceu em um ambiente permeado pelas artes marciais e pela filosofia do karate, sendo influenciado desde muito jovem pelo legado de seu pai.
Assim como seu pai, Gigo enfrentou desafios de saúde durante a infância. No entanto, ele não permitiu que isso o impedisse de se envolver profundamente nas artes marciais. Com determinação e disciplina, Gigo dedicou-se ao treinamento de karate, buscando fortalecer seu corpo e espírito.
Gigo se destacou não apenas por sua habilidade técnica excepcional, mas também por sua abordagem inovadora e progressista em relação ao Karate. Ele desenvolveu um estilo mais dinâmico e agressivo, incorporando posturas mais baixas, para fortalecer a musculatura, e técnicas de combate mais avançadas. Sua ênfase na eficácia e na evolução constante do karate o tornou uma figura influente na comunidade karateca.
Além de suas contribuições para o desenvolvimento técnico do karate, Gigo também desempenhou um papel crucial na disseminação e popularização do estilo Shotokan. Ele ensinou ao lado de seu pai no dojo em Tóquio, compartilhando seu conhecimento e inspirando uma nova geração de praticantes de karate. Sua abordagem inovadora atraiu muitos alunos e contribuiu para o crescimento da comunidade Shotokan.
A importância de Gigo Funakoshi para o karate vai além de suas realizações individuais. Ele representou uma ponte entre as gerações, transmitindo os ensinamentos de seu pai e adaptando-os para um mundo em constante mudança. Sua dedicação ao karate e seu compromisso com a excelência serviram de inspiração para muitos, deixando um legado duradouro na história do karate.
Infelizmente, a vida de Gigo foi interrompida precocemente, pois ele faleceu em 1945 aos 39 anos de idade, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, seu impacto perdura até hoje, e seu legado continua vivo através dos praticantes de karate que seguem seus ensinamentos e buscam alcançar os padrões de excelência estabelecidos por ele e por seu pai, Gichin Funakoshi.
Quais foram os Impactos da Segunda Guerra Mundial na Shotokan?
A Segunda Guerra Mundial ocorreu de 1939 a 1945, causando devastação em todo o mundo inclusive no karate. Registros inestimáveis da história e herança do karate foram perdidos durante a invasão de Okinawa, inúmeros karatecas japoneses perderam suas vidas tentando proteger seu país, e a devastação em todo o Japão dispersou os alunos de karate no continente.
O Japão foi alvo de inúmeros bombardeios aliados durante esse período, e Tóquio, em particular, sofreu grandes danos devido aos ataques aéreos. A destruição de instalações e edifícios durante a Segunda Guerra Mundial foi generalizada em todo o Japão, muitos edifícios históricos e locais importantes foram danificados ou destruídos durante a guerra, e o dojo original da Shotokan não foi exceção.
O dojo da Shotokan foi reconstruído posteriormente ao final do conflito, que ocorreu em 1945. A reconstrução teria ocorrido durante os anos imediatamente após o término da guerra, como parte dos esforços de reconstrução em todo o Japão. Após o conflito, houve um período de reconstrução e recuperação em que muitas estruturas danificadas foram restauradas. É provável que o dojo da Shotokan tenha sido reconstruído como parte desse esforço para restaurar as instalações e edifícios danificados durante a guerra.
Após a guerra, Funakoshi voltou a lecionar em Tóquio e, em 1952, aos 84 anos, empreendeu uma viagem de três meses pelas bases aéreas americanas, garantindo assim a difusão do karatê shotokan nos Estados Unidos.
Após a poeira assentar em 1945, um dos principais alunos do Mestre Funakoshi, Masatoshi Nakayama, começou a reorganizar os alunos remanescentes, recuperar métodos de treinamento e junto com o mestre, formou a Nihon Karate Kyokai ou Associação Japonesa de Karate (JKA). A JKA começou a desenvolver regras para concursos de karate envolvendo exibições competitivas de kata e kumite em um ambiente esportivo. Essas competições aproximaram o karate de outras artes marciais japonesas, como kendo e judô.
Em 1955, a primeira sede dojo foi construída em Yotsuya, em Tóquio, Japão. Em 1956, a JKA criou o primeiro programa de treinamento para instrutores especializados em karatê (kenshusei) no dojo da sede. É através deste programa que a JKA construiu a sua equipe única de ilustres instrutores de karatê.
Vale lembrar que em 1955 chegava ao Brasil Mitsuke Harada, um dos responsáveis por introduzir o estilo Shotokan no Brasil. Veja mais detalhes no artigo “História do Karate no Brasil”
Em 10 de abril de 1957, o Ministério da Educação deu reconhecimento oficial à JKA, que passou a ser pessoa jurídica. Apenas dezesseis dias depois, aos 89 anos, Mestre Funakoshi faleceu. Um grande serviço memorial público foi realizado no Ryogoku Kokugikan (Salão Nacional de Sumô de Ryogoku), com a presença de mais de 20.000 pessoas, incluindo muitos nomes famosos que vieram prestar suas homenagens.
Um monumento memorial ao Mestre Funakoshi foi estabelecido no Templo Enkakuji em Kamakura. Os membros da JKA fazem uma visita honorária no dia 29 de abril de cada ano, data do Festival Shoto.
Após a morte do mestre, uma disputa entre a JKA e os alunos mais antigos de Funakoshi resultou na primeira de muitas divisões políticas na linha do estilo Shotokan. A JKA logo iniciou seu famoso programa de formação de instrutores e começou a produzir alguns dos praticantes de karate mais talentosos, habilidosos e temíveis do mundo.
O Mestre Nakayama usou o curso de instrutores para enviar professores de karate altamente treinados para todos os cantos do globo, difundindo a humilde arte okinawana em escala global. Instrutores notáveis do curso de treinamento da JKA incluem os Mestres Hidetaka Nishiyama, Teruyuki Okazaki, Yutaka Yaguchi, Hirokazu Kanazawa, Keinosuke Enoeda, Takayuki Mikami, Tetsuhiko Asai e muitos outros. Esses instrutores fantásticos moldaram a prática do estilo Shotokan durante o auge de sua popularidade nas décadas de 1960 e 1970.
Qual a origem do logo do estilo Shotokan?
O símbolo do estilo Shotokan de karatê é muito mais do que uma simples representação gráfica. Ele carrega consigo uma rica história e um profundo significado que reflete a essência e os princípios fundamentais deste estilo de arte marcial.
Após sua demonstração bem-sucedida de karatê no Japão continental em 1922, como já apresentado, Funakoshi decidiu permanecer no continente. Durante sua estadia prolongada no Japão, Funakoshi foi influenciado por diversas figuras, incluindo o pintor Hoan Kosugi, com quem nutriu uma grande amizade.
Hoan Kosugi convenceu Funakoshi a escrever todas as suas notas sobre a arte do karatê em um texto mestre, conhecido como Tora Nomaki. Essa tradição remonta aos tempos antigos, quando mestres registravam seus conhecimentos em longos pergaminhos. A promessa de Kosugi de pintar a capa do livro resultou na inclusão da imagem de um tigre.
A escolha do tigre como símbolo do Shotokan é profundamente simbólica. Apesar de não haver tigres no Japão, essa figura é um símbolo de poder, força e ferocidade na cultura chinesa. Além disso, o tigre representa uma consciência aguçada e a ideia de nunca dormir, características que refletem a determinação e o compromisso dos praticantes de karatê.
A imagem do tigre dentro de um círculo imperfeito também é altamente significativa. O círculo simboliza a ideia de que o poder e a força devem ser contidos e usados com discrição, enquanto a imperfeição indica a natureza humana e a busca constante pela excelência. A escolha de Kosugi de compilar uma coleção de linhas e padrões que, juntos, formam a imagem do tigre, reflete a filosofia do Shotokan de que a arte marcial é mais do que apenas movimentos físicos; é um sistema de idéias interconectadas que se combinam para criar um conceito maior e mais poderoso.
Ao examinar de perto a cauda do tigre, pode-se observar parte da assinatura e dos kanji de Kosugi, adicionando um toque pessoal e uma conexão entre o criador do símbolo e sua obra. Essa atenção aos detalhes e o cuidado na elaboração do emblema do Shotokan demonstram a profundidade do pensamento por trás dessa representação visual.
Uma outra referência do Tigre é que Funakoshi era conhecido por passar uma quantidade considerável de tempo contemplando e meditando no Monte Tarao em Okinawa, também conhecido como montanha rabo de tigre.
Em suma, o símbolo do estilo Shotokan de karatê é mais do que uma simples imagem; é uma expressão visual dos valores, princípios e filosofias que fundamentam essa arte marcial. Ele encapsula a determinação, a disciplina e o compromisso de seus praticantes, ao mesmo tempo em que homenageia a rica história e as influências que deram origem ao estilo shotokan.
Qual o lema do estilo Shotokan?
O lema da Shotokan ou o Dojo Kun como é chamado são:
Hitotsu. Jinkaku Kansei ni Tsutomuro Koto.
- Esforçar-se pela formação de caráter
Hitotsu. Makoto ni Michi wo Mamoru Koto.
- Fidelidade para o verdadeiro caminho da razão
Hitotsu. Jinkaku Kansei ni Tsutomuro Koto.
- Criar o espírito de esforço
Hitotsu. Makoto ni Michi wo Mamoru Koto.
- Respeito acima de tudo
Hitotsu. Makoto ni Michi wo Mamoru Koto.
- Conter o espírito de agressão
Ao analisar o Dojo Kun, é evidente que cada linha começa com o número 1. Essa abordagem não apenas reflete a estrutura do código de conduta, mas também transmite uma mensagem profunda sobre os valores do karate. Gichin Funakoshi percebeu que cada princípio contido no Kun era igualmente essencial, e assim, cada um era considerado como o número 1.
Essa filosofia ressalta a ideia de que no karate, assim como na vida, todos os aspectos têm sua própria importância e devem ser honrados e praticados com igual dedicação. Portanto, o Dojo Kun não apenas serve como um guia para a prática do karate, mas também como um lembrete constante de que o karate é, em si, um desafio para toda a vida, encapsulado em seus princípios atemporais.